sábado, 7 de janeiro de 2017

É preciso desenhar

                       
Minha rua não era varrida pela prefeitura. São apenas folhas secas, caídas das árvores. Pedi de todas as formas: Por telefone, verbalmente no balcão da empresa CODEG,  por escrito, fiz abaixo-assinado, falei com a Chefe de Gabinete do prefeito, dei presente para o encarregado, para as varredoras da rua. Nada.

Então resolvi varrer a rua. Me empetequei toda ou ia de qualquer jeito, suando em bicas, no Sol da manhã ou no frescor da noite, calada ou bradando absurdos. Lá ia eu.

Juntei as folhas no meio da rua e taquei fogo. As labaredas subiam e a fumaça comia solta. Ninguém reclamava. Mudei o horário para incomodar os moradores e ninguém fazia nada. Um dia, quando as folhas estavam molhadas porque chuviscou a noite e a fumaça estava muita, um cara saiu de balde na mão para apagar o fogo. Mas eu disse que ele não ia apagar mas telefonar para a CODEG e exigir a varredura porque uma doida estava varrendo e tacando fogo. Forneci o telefone e ele deu meia volta.

De outra vez, um morador do prédio chamou a polícia, por causa da fumaça, e, quando esta chegou, eu fiz um discurso em plenos pulmões, dizendo que não era caso de polícia mas de participação do cidadão exigir varredura de sua rua. Que eu estava fazendo o papel do gari que recebia seu salário, enquanto eu trabalhava. Os policiais sorriram e se foram. 
Uma  vez um turista, da sacada do apartamento alugado para a temporada, me xingou de ignorante, de estúpida, que ele era ambientalista, que não podia colocar fogo em lixo. Eu respondi que não era lixo mas folhas secas e a própria natureza queimava  folhas. Ele continuou me insultando e eu não respondi até  o fogo acabar. Nunca durava mais de dez minutos.

De outra vez, saiu uma senhora alemã, pensei que era francesa pelo sotaque, veio do prédio mais embaixo, com sacos na mão para eu ensacar as folhas. Ela disse que, se era caso de comprar os sacos, ela forneceria. Não aceitei e disse para ela reclamar na prefeitura para varrerem a rua que eu, uma senhora, advogada estava fazendo. Que minha mãe ou qualquer outra pessoa minha conhecida precisou varrer rua. Que só eu mesma porque sou doida. Que devia me agradecer por eu manter a rua limpa.

Quando o muro foi pintado de branco eu aproveitei a tinta e escrevi no muro do lote ao lado da minha casa: A  PREFEITURA NÃO  VARRE   ESTA  RUA. 
Tempos depois, escrevi : GODEG, CADÊ VOCÊ ?

Algumas vezes, varri a rua fazendo discurso na maior altura, dizendo que brasileiro gosta de lixo porque é lixo, que falam mas não fazem nada, que adoram reclamar mas são incapazes de pegar o telefone para pedir a prefeitura para fazer o serviço.

Para não falar nas sugestões de derrubar as árvores pois assim não teriam folhas para varrer.
Fora os vizinhos que passavam, me viam varrer a rua e ainda debochavam, perguntando se eu estava trabalhando de gari para a prefeitura. Eu custei a achar a resposta mas pararam de falar quando respondi para meia dúzia e na maior altura para todos ouvirem:

- Varrer a rua, que ninguém varre, não é vergonha para mim. Não tenho vergonha de trabalhar pesado porque sou descendente de imigrantes. Para eles o trabalho representou a redenção da miséria. Tem vergonha de trabalhar o descendente de escravo porque o trabalho representa, no inconsciente dele, as chicotadas no lombo e a humilhação feita pelo sinhozinho, que nunca fazia nada, enquanto ele trabalhava.

Isso durou anos e anos. Eu varria de mês a outro, quatro meses ou de quinze em quinze dias. Dependia das folhas no chão. Até que um prefeito foi eleito, fez concurso para gari e tomou a limpeza  a sério. Mandou um funcionário da prefeitura falar comigo. Pedi a ele que fizesse palestra para os garis falando da importância da profissão para a cidade. Que participasse para mostrar que não era vergonha ser gari. Para dar o exemplo. Ele prometeu que minha rua seria limpa.  E, cumpriu.

Portanto, burguesia metida a dar palpites mas não sai do bem-bom, o prefeito eleito de São Paulo está certo. Para gente burra como é o brasileiro, é preciso desenhar. É isso que ele está fazendo quando pega a vassoura, bem vestido, sorridente e varre  a rua no maior estardalhaço. Em vez de debochar, se não entendem, prestem atenção e aprendam. Ele está mostrando que todo trabalho é importante. Que ter cuidado com sua cidade deve ser do prefeito ao gari. De quem trabalha no gabinete ou na rua.

A mesma imprensa que dá destaque a gangs  que se matam nas cadeias, defendendo o direito dessa corja ser indenizada, é a que debocha do prefeito porque não captam a mensagem dele.

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2 comentários:

Carlos Medeiros disse...

Bom dia.
Sobre João Dória, não havia pensado por esse lado. A prefeitura tem de cuidar da limpeza, mas infelizmente muitos cidadãos abusam como acontece aqui em Volta Redonda, jogam sofás velhos, galhos de coqueiros nas calçadas, varrem os lixos que eles mesmo produziram para os bueiros entupindo-os.
Mas frisando que a varrição é tarefa da Prefeitura.

Abraços.

Maria Inês disse...

Olá! A questão é não sujar a rua. Criar no brasileiro a cultura de que a rua é de todos e não do prefeito. Isso sim é ter educação!!!!!