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terça-feira, 16 de junho de 2020

Notas Promissórias

Família da família. Klika na foto para ver maior
                           
Nada de novo no front. Nunca essa frase foi tão contemporânea. Apenas fica mais forte quando a peste chinesa nos mantém presos em casa, olhando para a cara um do outro e sem assunto.
E me lembra os solteirões. Aqueles que sempre se jactaram de não querer companhia porque sempre vem problema junto. Morar sozinho está no tremular da bandeira da liberdade. Impacientes, vaidosos e envolvidos, quiçá, com um passarinho alimentado antes de sair para ganhar seu dinheiro. O dinheiro sobra para viagens e tratamento pessoal no último. De vez em quando, desce do pedestal para ajudar um irmão que teve a péssima ideia de casar-se e ter filhos. Ora, ora, pois casar-se, ter filhos não é sinal de sabedoria.

Mas um dia, mero dia sem volta e sem trégua, aparece a ordem para isolar-se. Tem gato na tuba. Então, quem nunca amou nada ou ninguém mas apenas seu ir e vir nas glórias do oportunismo da companhia desejada, descartada  e quando quer, se vê isolado no seu castelo, mental ou físico. Reclama da solidão com quem está entulhado de gente. Ou escoceia, se volta ao aconchego de origem para colocar ordem. Minhas regras são suas regras. A sua ordem para ajustar a sua conveniência de ocasião. Sempre.

Então, me recordo do meu pai e seu irmão solteirão. Sozinho, leve e solto, rico, com escritório cheio de Diários Oficiais, amarelados,  consultados por ser procurador do estado. Debochava da vida atribulada do irmão, da vida dura, por não tirar férias, não viajar pelas zoropas, pois tinha seis filhos. Das filhas debochava, rindo, piadista, pois eram cinco Notas Promissórias para descontar. A constranger meu pai nas festas de família e não se calando quando vovó pedia trégua. Saía, todo pimpão, para curtir a vida. Os anos se passaram, nenhuma filha foi promissória a ser paga porque não estavam no nível de moeda de troca, apostado pelo irmão sortudo. Envelheceram, os irmãos. O solteiro se viu sozinho, vetusto na alma esquecida. A casa do meu pai esvaziou, sobrou lugar, sobraram quartos e armários, a mesa de dez lugares. O casamento fez cinquenta anos, os filhos multiplicaram, a casa sempre cheia no entra e sai da filharada e netos, nas reuniões onde se falava alto e alternavam-se os comes e bebes. Então, o irmão pediu para ocupar o espaço, estava muito sozinho, a casa bagunçada. Da comida repetida dos restaurantes já estava farto. Sem motivação para nada, sem lugar para ir. Não via gente por dias, sempre em casa, na aposentadoria cheia de dinheiro para nada.
Meu pai tinha muitos defeitos mas tinha uma qualidade, não titubeava em dizer não. 

Aqueles que vivem na sabedoria da solidão escolhida na juventude, sem ninguém para incomodar, dando coices em quem menos espera, sem querer saber de conversa com problemas da vida do outro, da parentada chata , que não lhe incomodem porque cada um escolhe seu estilo de vida. Pois que  entrevejam o  ontem e o hoje. Não  se confundam nas grandes certezas da vida. A solidão é o melhor castigo.


#compartilhe. Faz parte da vida.