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quinta-feira, 20 de junho de 2019

A construção do ego

Foto:Jair Amaral,Ouro Preto/MG
                                     
As exibições em procissões das comemorações religiosas de Corpus Cristi, neste 20 de junho, escondem uma cara que ninguém vê. Nas roupas dos padres, dos anjos, dos participantes, só está quem pode pagar os paramentos e as asas.

Mesmo sem o hábito de olhar para trás ou lamuriar o que não tivemos, eu vejo essa gente com outros olhos. O quê é isso tudo?
Para entender melhor quero relatar um fato que aconteceu comigo. Esqueci por muitos anos mas me veio à mente nessa data, quando vi crianças vestidas de anjos.
Estudei no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, situado na Av. Getúlio Vargas, no bairro Funcionários. Construído no início da fundação da cidade, início do Século XX, soube que ficou abandonado e quase em ruínas mas foi feita restauração, voltando ao seu esplendor inicial.

As festas do mês de maio eram comemoradas todo ano e com coroação de Maria, com um altar  erguido no pátio principal, onde duas escadas laterais subiam  até o alto. Tudo enfeitado de branco, com flores naturais, papel crepom, laços de fitas. Muito bonito.  Culminava com a coroação onde uma menina cantava uma canção acompanhada de outras tantas postadas nas escadas, em um coro ensaiado durante algumas semanas na aula de canto orfeônico.
As  meninas deviam vestir-se de branco  com sapatos idem.                         

Eu nunca participei porque papai não comprava as roupas  e muito menos os sapatos para eventos assim. Mas  eu   resolvi participar sem autorização de papai. Sempre quis participar das festas mas nunca pude. Eu ainda tinha meu vestido branco da primeira comunhão e sabia que podia ir com ele. Fui aos ensaios e, no dia, vesti meu vestido branco, desenhado e feito por mamãe, mas fui com meu sapato preto. Ninguém lá em casa disse nada, eu apenas fui para a festa. Eu tinha oito anos.
No momento em que as participantes da coroação ficaram perfiladas para entrar, uma professora notou que meu sapato não era branco. Veio até a mim, com outras para dizer-me que eu não podia participar. Mas eu fingi que não era comigo e não saí da fila. Fizeram uma rodinha, conversando, apontando para mim mas eu permaneci no lugar. As meninas a meu redor, disseram para eu sair porque estava de sapatos pretos mas continuei firme no mesmo lugar. Lembro-me do burburinho, da falação, dos dedos apontados. Não sei o que aconteceu, não sei se chegou  o momento de entrar, o fato é que a fila andou, caminhando e cantando para, afinal, a coroação. E, eu firme, participei de tudo. Já bastava escolherem a menina que coroava todos os  anos por ter a voz bonita. Não achei justo ficar de fora se  já não participava da coroação na igreja, pelo mesmo motivo.

Essa lembrança me veio enquanto eu matutava para  entender por que não suporto essas festas, esses anjos, essa pantomima, essas caras de santos dos organizadores e dos padres. O inconsciente é poderoso.

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