quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Gerson Camata e as feministas

                        
Uma pessoa como Gerson Camata é assassinada e não é possível que uma testemunha de sua trajetória política como governador do Espírito Santo não  se manifeste.
Eu morava em Vitória / ES quando Gerson Camata foi eleito governador. Logo ele abriu audiência pública nas quartas-feiras, à tarde,  para atendimento ao público. Não durou muito tempo porque a fila tinha mais gente pedindo dinheiro e emprego do que sugerindo alguma coisa para o governo. Mas para a  formação dos movimentos populares foi fundamental. Acho que nenhum outro teve a importância para que a população pudesse manifestar seus anseios políticos de forma tão democrática.

Não vou dar nomes porque já se passaram tantos anos, tanta  coisa aconteceu e não quero me comprometer com mais nada nessa vida. Mas vou  relatar de forma  mega resumida. Mesmo porque já contei em outros textos a trajetória do meu grupo feminista.
Uma amiga, Sandra,  entrou na fila para pedir o fim da discriminação das mulheres em concursos públicos. Ele, então, disse para ela fazer um grupo organizado   e voltar com o pedido. Ele não podia atender uma pessoa para uma reivindicação política.
A partir daí, formamos um grupo, com ata de fundação, atas das reuniões, diretoria,  livro de inscrição  e estatuto  registrado em cartório. Chegou a  ter um Boletim mensal. O nome foi tão criativo, sugerido por Sônia, ganhou a escolha em votação nominal, que logo chamou a atenção. Haviam filiadas, desde gari até deputada federal, estadual ( a senadora Rose de Freitas era deputada estadual ). Das diversas profissões e donas de casa, só não havia engenheira. Tinha algumas jornalistas que ajudaram muito para a divulgação e prestígio do grupo.

A partir daí, Camata foi recebendo nossas sugestões e vou citar as duas mais importantes. Uma  foi o concurso para as polícias civil e militar onde ele reservou vinte por cento das vagas para mulheres.  Hoje isso parece um absurdo mas para a época foi uma grande conquista. Foi antes da Constituição de 88 onde consta a proibição  de qualquer discriminação. Nos outros concursos ficou tudo livre. A outra foi a criação da segunda Delegacia da Mulher no Brasil, sediada no bairro  da Paia do Canto onde ele foi morto, com a nossa participação na elaboração da lei.  A primeira foi em São Paulo, capital.

Fomos convidadas para a inauguração da Delegacia da Mulher, ele deixou que fizéssemos discurso  e nos prestigiou, citando nosso  grupo quando divulgou o concurso para a polícia. Só não criou o Conselho da Mulher  por um detalhe interessante : Sua esposa, presente na inauguração da delegacia e ele perguntando se ela queria manifestar-se respondeu com um meneio da cabeça, não. Entretanto, a partir daí ela interferiu na criação do conselho. exigindo que constasse  na lei, que a esposa do governador fosse a presidente. Por não concordarmos, ele não criou o conselho e nos colocou no gelo. Ela não fez parte do nosso grupo, nunca participou de nenhum movimento popular e não era feminista. De certa feita, em um programa de debates na televisão no qual  eu participei,  ela disse que sequer gostava de feministas.

Além do nosso grupo, ele incentivou  a criação de vários grupos populares, estudantis, sociais e profissionais, atendia  a todos. Comparecia  em eventos, feiras que foram feitas pelas entidades, desde Festas do Morango ou Do Vinho, da Cachaça, Italiana, Alemã, Da Pomerânia, Libanesa, Árabe com gente vestida a carater, pelo interior todo, o escambau para as quais era convidado e comparecia, andava no meio do pessoal, cumprimentava  sempre  de forma agradável e feliz. Ganhou prestígio porque atender a população organizada, sem intermediários , propiciava feitos importantes em um governo. Fazia tudo de forma espontânea, sem faceta política  ou ideológica, contribuindo para a politização  da população e acho que foi o primeiro  político a fazer esse tipo de linha direta com o povo.

Depois, eu o perdi de vista mas mandou um telegrama para mim quando meu marido morreu. Se ele  perdeu-se no caminho eu não sei mas quero testemunhar seus feitos e por propiciar a mim uma  época tão  prazeirosa e rica. A gente atuava muito, tanto eu quanto  meu marido nas entidades profissionais. Mas este é outro assunto.

Um homem desses, não merecia  ser morto e ficar caído no chão em uma poça de sangue.  Mas só ele sabia da sua vida e de suas consequências.  Ele era de uma geração capixaba que não leva desaforos para casa, embora tenha contribuído muito para a mudança de mentalidade.

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