Não morri de COVID. Estou viva. Não sei se para melhor ou para pior.
Envelheci, esta é a verdade. Mesmo que eu tenha lutado, me afastado de um monte de contrariedades, gente que não me fazia bem. Bateu velhice... Deixar a academia e ficar em casa levou-me a meditação sobre o inevitável.
Lá se foi o tempo em que, jovem e bonita, eu convivia numa boa com todos. Mulher bonita, assim como homem bonito, todos relevam muita coisa.
Aí você envelhece. Mesmo que não aparente tudo o quê viveu ou na mesma proporção do pessoal pobrinho, que só levou lambada na vida.
Meu filho disse que, hoje em dia, só velho vai a banco. Mas eu fui para provar que estou viva. Cheguei lá, um guardinha na porta, barrava todo mundo. Olhei em volta, do lado de fora e vi vários velhinhos e velhinhas sentados no chão, com o Sol torrando a cabeça. Provavelmente mais novos do que eu mas aparentando muito mais velhos. Perguntei ao energúmeno que me barrou, se não havia preferência para os velhos. O quê era aquele pessoal sentado no chão. Ele me apontou a fila e disse, de forma autoritária e grosseira, que eu entrasse na fila. Perguntei o nome do cabra. André, se me interessava. Fui até o fim da fila para avaliar toda a situação. Dezenas de gente mansa e ( na moda dizer) humildes, humilíssimos.
Eu, que de humilde não tenho patavina e cujo atrevimento ainda tenho um pouco, falei com o guardinha, que iria ao PROCON. Ele havia notado minhas observações e, talvez, minha falta de humildade, isto é cabeça baixa, palidez, silêncio, aparência de múmia e ficou me provocando com palavras que entraram por um ouvido e saíram pelo outro.
Quando eu estava descendo as escadas, uma velhinha muito pálida, magrinha e seca, levantou-se, pousou sua mão no meu braço e perguntou:
- A senhora vai chamar a polícia? Chame, chame.
Eu só respondi;
- Aguarde. Você vai sentar lá dentro e o guardinha vai ser trocado.
Voltei pra casa, peguei meu carro e atravessei a ponte para ir ao PROCON em lugar difícil do povo chegar porque o ônibus passa longe. Fui barrada, tinha que marcar hora pela internet e com antecedência. O espaço vazio, só dois atendentes.
Eu nunca dou carteirada mas dei. Disse que era advogada, que não ia voltar e onde estava o chefe. Pasmem, mandou eu falar mais baixo porque minha voz era alta para ele. Quis aplicar a tática do funcionário público que, ao se ver errado, inverte a lógica da situação. Em vez de você ter razão, ele passa a ter e você torna-se o errado. E, se insistir, você vai preso pois desacatar funcionário público é crime.
O chefe ouviu lá de dentro, em outra sala e apresentou-se como advogado. Deve ter escutado eu dizendo que o era. Ou para me acuar. Quase dou risadas dessa gente jovem que pensa que velho nunca foi jovem e é tudo caduco.
Resumindo, me apresentei, ele me recebeu muito educado e inteligente. Nem precisei explicar muito nem escolher demais as palavras. Ele captou o absurdo de deixar os miseráveis a mercê de um guardinha autoritário. Passou a mão no telefone, falou com o gerente, eu também falei.
Conclusão, quando voltei ao banco, CAIXA, já tinha outro guarda educado, inteligente e a fila estava organizada. Nenhum velhinho do lado de fora.
Eu já jurei, inúmeras vezes, nunca mais me meter em nada que não fosse diretamente da minha conta. Mas minha natureza me consome. Já pedi a meus filhos para me amarrarem na perna da mesa ou me puxarem do lugar onde tem injustiça e desmandos. Fiquei nervosa, andei debaixo de um Sol inclemente, um calorão, suei rios nesse calor e umidade infernais.
Fiquei exausta, moralmente, pelas dificuldades, as barreiras para se ter dignidade, os desaforos a que está sujeito o brasileiro que nem sabe por onde começar ou está acostumado a obedecer sem se dar o respeito, sem condições de lutar por seus direitos, só ordens e regras a serem cumpridas.
Que raiva de mim mesma!
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