quinta-feira, 2 de março de 2017

De diabo a ermitão

                             
      
Começa o ano útil com o fim do carnaval. 

Quando  criança, o máximo era  ver os desfiles e blocos nas ruas. 
Não havia essa ingenuidade que alguém imagina para aqueles tempos. Carnaval sempre foi água turva. E, assim é sua característica. O Lança Perfumes foi proibido não porque Jânio Quadros era maluco mas porque matava jovens que inalavam muito. Quem vai esquecer  uma notícia que o filho de algum conhecido caiu da sacada do clube, depois de cheirar bastante ? 

Pulamos em clubes fechados e valeu a pena. Foram bailes memoráveis e paqueras homéricas. As fantasias nós desenhávamos e mamãe fazia na máquina Singer. Papai comprou uma joelheira ortopédica porque no último dia meu joelho estava doendo e a fantasia era de jogador de futebol, adaptada para o fato e estilizada. Como esquecer dos entreveros onde, no salão, uma noiva jogava aliança no noivo porque este dançava com outra? Ela, sentada na mesa com cara fechada e o noivo, animado, dançava com outra. 
E, os ex namorados, algumas paixões enrustidas, apareciam na festa com a nova namorada  loira, os dois sem aproveitar a folia e com cara de panela. Que se danasse a dor de cotovelo, era carnaval e se fosse para ficar sem pular, melhor ficar em casa.

Ou o dia em que, em plena ditadura, o Jacaré da Medicina ( porque vivia na água) apareceu vestido de Guerrilheiro do Caparaó de espingarda e tudo e foi barrado na porta. Voltou de fraldão e chupetão, fantasiado de bebê chorão. Foi colocado pra fora do salão porque tirou a camisa, para dar mais realidade a sua fantasia. 

Enquanto umas esbaldavam-se no calor e suor, outras fantasiavam-se com peças maravilhosas, compradas em butiques, pulavam moderadamente para não suar; nem pensar em ficar feia. 

Ah! Lembrei-me daqueles rapazes que levavam bolsas com camisas para trocar durante a noite e não perder a elegância.

Tudo na esbórnia como sempre foi. Ainda bem que os dias contam e o tempo devia passar somente para os intragáveis que não sabem viver.

Quem não aproveitou perdeu. Nem que fosse para ter do que lembrar-se  e não se tornar azedo, bradando contra a folia e contra quem sabe que do mundo nada se leva. Ou porque o diabo quando fica velho, torna-se ermitão.

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